Qual a relação entre a qualidade do vínculo entre pais e filhos e sintomas psiquiátricos na vida adulta?
Para responder a esta questão o médico Adriano Resende Lima, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, realizou uma revisão de literatura que resultou no artigo “Impacto dos vínculos primários no desenvolvimento de sintomas psiquiátricos na vida adulta”, publicado no Current Opinion in Psychiatry.
Abaixo, Adriano Resende nos conta um pouco do seu estudo.
Quais os principais aspectos observados em seu estudo?
Foi possível constatar, a partir da revisão de literatura realizada com base em 40 artigos científicos publicados nas bases Medline e Lilacs, a relevância dos vínculos construídos na primeira infância, em especial, com a figura materna.
Estudos conduzidos pelo psicólogo húngaro Peter Fonagy indicam que a qualidade do vínculo pode influenciar na expressão e modulação de genes que afetam a capacidade de autocontrole, equilíbrio emocional e interação social, com repercussão na vida adulta.
Os pesquisadores Ward, Fortuna e Roisman também encontraram correlação entre apegos disfuncionais na infância e sintomas depressivos na idade adulta. Estudos anteriores do psiquiatra britânico John Bowlby já ressaltavam a importância do apego seguro no desenvolvimento saudável do indivíduo.
O comprometimento emocional varia segundo a situação vivida?
Sim. Verificou-se que experiências traumáticas na infância, como abandono, superproteção e abusos (fisicos e psíquicos) podem gerar alterações genéticas e aparecer em forma de transtorno de ansiedade e depressão. Já situações que envolvem violência sexual por mais de um ano, perpetrado por mais de uma pessoa, pode desencadear processos dissociativos.
Como essa disfunção se expressa em termos genéticos?
Estudos experimentais animais revelam que eventos adversos em idade precoce aumentam a expressão do gene da corticotrofina (CRF), hormônio que ativa o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Ratos que viveram separação materna diária durante as primeiras duas semanas de vida demontraram persistente aumento do nível de CRF, não apenas no eixo HPA, mas também no sistema límbico formado por estruturas que identificam, gerenciam e regulam as emoções).
A partir destes estudos com modelos animais, realizados em roedores, observa-se a relevância dos vínculos parentais sobre o padrão de respostas ao estresse.
Estas respostas são mediadas pela ativação do eixo hipotálamo-hipofisário adrenal (HHA), eixo filogeneticamente herdado e diretamente relacionado aos mecanismos básicos de regulação da vida e sobrevivência. Portanto, há claros sinais de associações entre vinculações parentais, regulação afetiva e regulação básica da vida, associações estas com impactos diretos sobre o processo de desenvolvimento humano, desde a infância até a vida adulta.
Cumpre ressaltar que os mecanismos de respostas ao estresse estão intimamente associados a várias doenças na vida adulta, entre eles: diabetes, hipertensão arterial, coronariopatias, depressão e transtornos ansiosos
A condição econômica da família interfere na formação do vínculo pais-filhos?
Pesquisa conduzida por Stansfeld constatou associação entre a condição social, privação material e emocional precoce e o padrão de vinculação estabelecida entre pais e filhos e a predisposição destes a transtornos psiquiátricos depressivos e ansiosos na vida adulta.
Qual a relevância deste estudo em termos sociais?
Este estudo chama a atenção para a necessidade de intervenção social para redução do impacto da privação material e emocional na infância de crianças socialmente carentes, por meio de uma política pública e programas voltados a relação entre pais e filhos. Esta medida poderia ser bastante útil na prevenção ou pelo menos redução de transtornos psiquiátricos futuros.
Fonte: R7.com