Matéria/dez 2012.
Há duas notícias envolvendo a África e o câncer causado por infecção. A má é que o continente tem uma taxa particularmente alta desses casos. A boa é que já há, ao menos em tese, vacinas que podem prevenir a doença.
Mais de 50 anos atrás, o médico irlândes Denis Burkitt mudou-se para Uganda e abriu uma clínica. Pouco tempo depois ele se assustou com a quantidade de casos de crianças com tumores no rosto tão grandes que chegavam a sufocar e matar os pacientes.
Tratava-se um tipo de câncer que ele jamais tinha visto, e não por acaso, acabou sendo batizado como linfoma de Burkitt anos mais tarde.
Hoje em dia, esse tipo de tumor ainda é o câncer mais comum entre crianças na África Central, e sabe-se que o início da doença se dá com uma infecção.
“Ela está associada com um vírus chamado Epstein-Barr”, diz Abrahams Omoding, um oncologista do Instituto do Câncer de Uganda.
O Epstein-Barr, que causa a mononucleose, também parece ser a ignição para o desenvolvimento do linfoma de Burkitt. Acredita-se que a malária também possa estar relacionada com o surgimento do problema.
O especialista diz que a maioria das pessoas acha que o câncer é causado, de forma geral, por maus hábitos, má alimentação ou exposição à radiação e substâncias químicas.
Mas ele ressalta que muitas infecções podem levar à aparição de um câncer, entre elas:
- A bactéria H. pylori, que causa úlceras e pode levar a um câncer no estômago;
- O parasita responsável pela doença tropical esquistossomose pode causar o câncer de bexiga;
- câncer cervical (no útero) pode ser causado pelo vírus do papiloma humano (HPV);
- O câncer no fígado pode ser causado pelo vírus da hepatite B;
O sarcoma de Kaposi, um tumor cancerígeno que atinge o sistema conjuntivo, é causado por um vírus que ataca as pessoas com sistemas imunológicos fracos Em Uganda, país que abriga um alto número de pessoas HIV positivo, o sarcoma de Kaposi cresce em proporções endêmicas.
“A lista é longa. Estes são os tipos de câncer mais comuns que nós vemos, e, na verdade, todos são relacionados a algum vírus”, explica Omoding.
Germes, vírus e bactérias
Na América do Norte, apenas um em cada 25 tipos de câncer são causados por agentes infecciosos. Já nos países em desenvolvimento, a taxa sobe para um em cada quatro, de acordo com um estudo recente publicado na revista especializada The Lancet.
O motivo? As más condições de higiene e saneamento básico nos países mais pobres acarretam em uma maior exposição a germes.
E as pessoas originárias da África sub-saariana, por exemplo, não costumam ser vacinadas contra vírus que podem levar a um câncer, como a hepatite B.
A cerca de 14 mil km da capital de Uganda, Kampala, na cidade de Seatlle, na costa oeste dos Estados Unidos, cientistas do Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson estão tentando determinar como os vírus podem causar o câncer.
No laboratório americano, pesquisadores recebem caixas com amostras de Uganda todos os meses. “Se for uma amostra de sangue ou de tecido, virá em gelo seco”, explica a cientista Mei Lei Huang.
Pesquisa
O objetivo do grupo de pesquisadores de Seattle é determinar quanto tempo um câncer leva para se formar após uma criança ser contaminada com o vírus Epstein-Barr.
Larry Corey, chefe do centro de estudos, diz que o trabalho tem uma meta muito clara: “Podemos interferir? Podemos alterar o processo de desenvolvimento do câncer ao atacar o vírus?”.
A ligação biológica entre infecções e o cancer funciona da seguinte forma: os organismos invasores infectam as células e afetam seu funcionamento normal. O vírus Epstein-Barr, pro exemplo, infecta as células do sistema imunológico chamadas células B e as faz crescer.
“Quanto mais elas crescem, mais elas se dividem. Quanto mais elas se dividem, mais chances existem de que ocorra uma alteração do material genético durante a fase de divisão celular”, explica Corey.
Isto faz com que as células comecem a crescer desordenadamente, tornando-se cancerígenas.
Mas a novidade é que essa ligação pode ser interrompida. “Se você sabe que uma infecção é a causa do câncer, se você ataca essa infecção, pode-se na verdade prevenir a ocorrência do câncer”, diz a médica.
Vacinas
É isto que já está acontecendo com a vacina de HPV e de hepatite B. Na China, por exemplo, o câncer de fígado era o tipo que mais matava, mas desde que uma intensa campanha de vacinação contra a hepatite B teve início nos anos 1990, a incidência da doença começou a diminuir.
Ainda não há uma vacina capaz de prevenir o linfoma de Burkitt para as crianças de Uganda, mas os cientistas em Seattle e seus colegas em Kampala estão unindo esforços em busca disso.
O sonho de Corey é criar vacinas contra todas as infecções que podem causar o câncer. Caso esse objetivo seja alcançado, as mortes de câncer no mundo poderiam ser reduzidas em até 20%.
BBC Brasil