A vida sexual de idosos ainda é um tema cercado de preconceitos, mesmo entre profissionais de saúde que atuam, principalmente, na atenção básica.
Esta postura dificulta o diagnóstico do vírus HIV e compromete o tratamento de idosos que vivem com a doença.
Por conta da idade avançada dos pacientes, estes profissionais não os consideram como pessoas sexualmente ativas”, constata a enfermeira Rúbia de Aguiar Alencar, que realizou uma pesquisa sobre o tema na Escola de Enfermagem (EE) da USP orientada pela professora Suely Itsuko Ciosak.
Para sua tese de doutorado, O idoso vivendo com HIV/AIDS: a sexualidade, as vulnerabilidades e os enfrentamentos na atenção básica, Rúbia entrevistou 11 pessoas que tiveram diagnóstico de HIV positivo após os 60 anos.
A pesquisa foi realizada no município de Botucatu, interior de São Paulo, e envolveu também 23 profissionais que participam da Estratégia Saúde da Família, além dos idosos, atendidos no Hospital-dia HIV/Aids.
A coleta de dados durou um ano, e foram analisados dados como religião, estado civil, profissão, renda, tempo de diagnóstico do HIV, uso de antirretroviral e comparecimento nas consultas.
Rúbia destaca que entre os entrevistados, a maioria tinha algo em comum: a solicitação para sorologia, ou seja, o pedido de exames para a confirmação da presença do vírus em seus organismos não foi prioridade para os profissionais da equipe da Saúde da Família.
Apesar de os idosos já apresentarem sinais e sintomas que sugeriam contaminação pelo HIV, apenas após a realização do tratamento de outras doenças, mais comuns em pessoas com idade avançada, a suspeita do HIV foi considerada um possível diagnóstico.
Para a enfermeira, a grande dificuldade está em compreender que a pessoa idosa também tem vida sexual: “O tema ainda está tão cercado de preconceitos e tabus que, muitas vezes, faz o profissional acreditar que estaria desrespeitando o idoso, no caso de perguntar sobre a sua vida sexual”.
O estudo constatou que a transmissão, em todos os entrevistados, aconteceu por via sexual. Em tempos de expectativa de vida cada vez mais alta, as pessoas tendem naturalmente a estender seu período de vida sexual ativa. Até mesmo drogas e medicamentos, são cada vez mais eficientes e tem menos efeitos colaterais.
Portanto, é urgente a necessidade de abandonar estereótipos preconceituosos acerca das pessoas idosas e considerá-las enquanto cidadãs sujeitas de si mesmo e de sua sexualidade, e como tal vulneráveis ao vírus HIV.
Rúbia aponta que os serviços de saúde devem construir, em conjunto com os idosos e seu real cotidiano, novas reflexões, novos planos de ação.
A maneira como a sociedade olha para o idoso precisa mudar, e no caso específico do combate ao vírus da Aids, uma nova postura dos serviços e dos profissionais de saúde é essencial. “Enquanto os serviços de saúde não englobarem os idosos como sujeitos coautores das ações direcionadas à prevenção das DST/Aids, pouco se irá avançar na luta contra a epidemia”, afirma a pesquisadora.
Para ela, as concepções de saúde do idoso devem ampliar seu horizonte sobre a sexualidade, e uma das maneiras mais eficazes de promoção de uma nova concepção, é a implantação de novos conteúdos de capacitação para os profissionais, a fim de quebrar tabus e estabelecer novos paradigmas.
Atenção básica
Atenção Básica é um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde.
É realizada sempre por intermédio do trabalho de equipe dirigido à população de um determinado território. Seus princípios são o vínculo com o paciente, coordenação, integralidade e continuidade do cuidado, e o acesso universal a saúde.
A principal prioridade da Atenção Básica no Brasil hoje, é a Estratégia Saúde da Família, considerada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a porta de entrada preferencial das pessoas para o sistema de saúde, por meio de visitas domiciliares dos profissionais, sempre organizados em equipes multiprofissionais.
Especificamente no caso da relação entre o HIV e a população idosa, a estratégia teria um papel fundamental, não apenas na divulgação de métodos de prevenção à doença, mas também no próprio diagnóstico precoce do vírus. Como não é considerado vulnerável, o idoso só tem seu diagnóstico confirmado para HIV depois de já sofrer de alguma doença oportunista como tuberculose ou pneumonia, o que no caso de uma pessoa com idade avançada, pode ser fatal.
A pesquisadora garante que a percepção do profissional sobre a sexualidade do idoso é essencial: “A partir do momento em que esse profissional compreender a existência da sexualidade nessa faixa etária, poderão ser solicitados os exames para HIV e outras DST de uma forma natural, como se faz para os grupos etários mais jovens”.
Rúbia garante que, apesar de não diminuir diretamente o número de infectados, a solicitação do exame e o diagnóstico prévio são essenciais no tratamento de idosos vivendo com Aids: “O fato de solicitar o exame de HIV não diminui o número de infectados, mas permite que idosos infectados possam iniciar precocemente o tratamento, melhorando o mesmo durante o percurso dessa infecção”.
Fonte: Agência USP de Notícias