O mundo tem conseguido evitar mortes prematuras, mas as pessoas têm vivido mais e mais doentes, segundo o estudo sobre a Carga Global de Doenças (GBD, na sigla em inglês) 2010, um projeto colaborativo liderado pelo Instituto de Métrica e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, nos EUA.
Os resultados serão anunciados nesta sexta-feira (14/12/2012) pela Sociedade Real de Londres e também aparecerão neste sábado (15) na revista científica “The Lancet”, que pela primeira vez em sua história vai dedicar uma edição inteira a uma única pesquisa. Ao todo, são sete artigos científicos e comentários sobre os maiores desafios mundiais na área da saúde.
Segundo o levantamento, o mundo tem passado por grandes mudanças desde a década de 1990, quando foi feita a primeira edição do GBD. De lá para cá, a população global tem envelhecido mais, a incidência de doenças infecciosas e desnutrição infantil tem caído, e – com exceção da África Subsaariana – as pessoas estão mais propensas a ter uma vida adulta pouco saudável, por causa do sedentarismo e da má alimentação.
Essa “carga de saúde” definida pelo GBD está mais ligada ao que nos faz mal, e não ao que está nos matando. O maior contribuinte para isso costumava ser a mortalidade precoce – que já atingiu mais de 10 milhões de crianças menores de 5 anos –, mas agora a realidade é outra, com mais doenças crônicas (como asma, pressão alta, infarto, derrame, obesidade, diabetes, fumo, alcoolismo e câncer), lesões nos músculos e ossos (como osteoporose) que causam invalidez e óbitos, e problemas mentais.
E esse número cresce à medida que as pessoas vivem mais.
O estudo aponta ainda que, enquanto os países têm feito um ótimo trabalho para combater doenças fatais, principalmente as infectocontagiosas (como a Aids), a população mundial está vivendo com mais problemas de saúde que causam dor, prejudicam a mobilidade, a visão, a audição e o funcionamento cerebral.
De acordo com o diretor do IHME, Christopher Murray, pouquíssimos indivíduos estão vivendo em perfeitas condições de saúde e, com a idade, a maioria acumula doenças.
“Deveríamos recalibrar o que a vida será para nós quando tivermos 70 ou 80 anos. Isso também tem profundas implicações para os sistemas de saúde, visto que eles definem prioridades”, disse.
Mais de 300 instituições envolvidas
O atual GBD começou a ser feito em 2007 e contou com a colaboração de 302 instituições em 50 países – sendo 26 de baixa e média rendas.
Entre as entidades participantes, estão a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, a Faculdade de Saúde Pública Bloomberg da Universidade Johns Hopkins, o Imperial College de Londres, a Universidade de Tóquio e a Universidade de Queensland, na Austrália.
O projeto foi inicialmente financiado pelo Banco Mundial e, depois, pela Fundação Bill & Melinda Gates. Ao todo, 486 pesquisadores participaram desse trabalho para quantificar os níveis e as tendências de problemas de saúde no mundo.
Os autores usaram registros, pesquisas, censos e análises de ensaios clínicos disponíveis. Com isso, conseguiram mapear a atual situação em cada local, desde os casos de Aids até de deficiência nutricional de substâncias como zinco.
Novas ferramentas de avaliação foram desenvolvidas para preencher as lacunas de informações nos países em que elas eram escassas.
Os métodos foram testados usando estimativas de lugares onde há dados mais facilmente disponíveis, como EUA e Japão. Estatísticas sobre doenças do coração, por exemplo, se mostraram mais abundantes que as de coqueluche. E o GBD conseguiu, então, produzir 650 milhões de estimativas sobre desafios grandes e pequenos na área da saúde.
“Além de o GBD oferecer descobertas epidemiológicas significativas, que vão moldar os debates políticos em todo o mundo, ele delineia as lacunas sobre o conhecimento existente a respeito de doenças e traça novas maneiras de melhorar a coleta e a análise de dados de saúde pública”, disse Paul Farmer, presidente do Departamento de Medicina Global e Medicina Social da Faculdade de Medicina de Harvard.
Mortes entre crianças e adultos
O estudo também destaca que, apesar de importantes avanços como a queda na mortalidade infantil, doenças como diarreia causada por rotavírus e sarampo ainda são responsáveis pela morte de mais de 1 milhão de crianças com menos de 5 anos por ano no mundo, apesar de existirem vacinas eficazes contra os dois problemas.
Além disso, o que mais chamou a atenção dos especialistas é que o número de mortes entre adultos de 15 a 49 anos cresceu 44% no período de 1970 a 2010. O resultado é, em parte, pelo aumento da violência e pela elevação contínua dos casos de HIV, que mata mais de 1,5 milhão de pessoas por ano em todo o mundo.
Os riscos associados à dieta e ao sedentarismo, como excesso de peso e altas taxas de açúcar no sangue, são responsáveis por 10% da carga de doenças globais e só tendem a aumentar.
Segundo os cientistas, grande parte da carga na saúde é provocada por um grupo relativamente pequeno de doenças. Os pesquisadores examinaram mais de 300 enfermidades, lesões e fatores de risco, e descobriram que apenas 50 causas diferentes eram responsáveis por 78% do total de doenças – 18 delas respondiam por mais da metade.
Os problemas isquêmicos do coração, como infarto, e o acidente vascular cerebral (AVC) foram as duas maiores causas de mortes no mundo entre 1990 e 2010. Casos de diabetes, câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica também subiram, enquanto os de diarreia, tuberculose e infecções respiratórias nas vias aéreas inferiores (traqueia, brônquios e bronquíolos) caíram.
Entre as doenças que provocam mortes prematuras e incapacidade, houve outra mudança: a encefalopatia neonatal – doença cerebral fatal em recém-nascidos – e a desnutrição infantil deixaram de estar entre as dez principais causas de óbitos entre 1990 e 2010, e foram substituídas por lesões decorrentes de acidentes de trânsito e na coluna lombar.
Diferenças continentais
O GBD 2010 observou ainda que a lacuna na área da saúde entre a África Subsaariana e o resto do mundo está aumentando. Nessa porção da África, abaixo do deserto do Saara, ainda há mais incidência de doenças infecciosas, infantis e mortes maternas, que chegam a 70% da carga de doenças. No Sul da Ásia e na Oceania, por exemplo, esse peso é de 30%, e nas demais regiões do planeta caiu para menos de 20%.
Além disso, a idade média das mortes subiu mais de 25 anos na América Latina, na Ásia e no Norte da África, enquanto na África Subsaariana cresceu menos de 10. E doenças que têm sido tradicionalmente consideradas “ocidentais” também têm se elevado entre os africanos, como dores, ansiedade, depressão e outros distúrbios mentais.
Os pesquisadores esperam agora que os governos atentem para esses resultados e deem mais atenção para problemas negligenciados, como foram os casos de malária anunciados pelo GBD na década de 1990. Segundo os coordenadores, essa ferramenta deve servir para que líderes e ministros da Saúde se preparem para os atuais desafios, sem deixar que o impacto sobre as economias mundiais afete os investimentos na saúde.
Fonte: Bem Estar