Professores da educação básica, sejam de escolas privadas ou públicas, tendem a adoecer e abandonar seus cargos.
De acordo com o historiador Danilo Camargo, esse fenômeno ocorre devido ao fato de o cotidiano escolar ser insuportável para a maioria dos profissionais da educação.
Realizado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), o estudo analisou, ao longo de quatro anos, mais de 60 trabalhos acadêmicos que tinham como tema o adoecimento de professores.
O estudo concluiu que não existem grandes diferenças conceituais entre as pesquisas produzidas na área e analisadas por Camargo. De acordo com o pesquisador, o adoecimento dos professores e o posterior abandono do emprego ocorrem devido à forma de condução das condutas escolares, que não restringem a ação dos profissionais.
As escolas de educação básica, sejam públicas ou privadas, enfrentam desde sempre uma série de problemas para garantir sua efetividade, e mais do que isso, sua própria existência. Uma das dificuldades mais recentes, e de difícil solução, tem sido o problema do adoecimento e da deserção dos professores da escola pública brasileira. Para o historiador Danilo Alexandre Ferreira de Camargo, tal fenômeno acontece em função do cotidiano escolar ser insuportável para a maioria dos profissionais da educação.
Em sua dissertação de mestrado, O abolicionismo escolar: reflexões a partir do adoecimento e da deserção dos professores, desenvolvida na Faculdade de Educação, e orientada pelo professor Julio Roberto Groppa Aquino, o historiador procura fugir do lugar comum, e apresenta uma reflexão alternativa sobre a problemática relação dos professores com a escola: o abolicionismo escolar.
A questão do afastamento de professores da atividade profissional é tema frequente de pesquisas, principalmente no campo da saúde, que procuram encontrar causas e soluções para este problema. Por este motivo, Camargo analisou, ao longo de quatro anos, mais de 60 trabalhos acadêmicos que tinham como tema o adoecimento dos professores.
O estudo concluiu que não havia grandes diferenças conceituais entre as pesquisas produzidas nesta área. Isto se dá em função da tentativa frequente de patologização da resposta dos professores ao ambiente escolar.
“Não tenho, em absoluto, a intenção de questionar o trabalho dos cientistas destas áreas, mas se observarmos dez anos de pesquisa, veremos pouca diferença entre todas elas. Sempre se parte do pressuposto da existência de uma crise generalizada, depois é feito o diagnóstico de uma patologia e sua posterior proposta de medicalização”, afirma Carmargo.
E continua: “A tentativa é sempre colocar a escola nos eixos, nunca questioná-la como instituição.”
Partindo do conceito de governamentalidade, produzido pelo filósofo francês Michel Foucault (1926–1984), o pesquisador acredita que o adoecimento dos professores e sua posterior deserção profissional ocorrem devido a forma particular de “condução das condutas” no interior da instituição escolar.
Isso naturaliza a burocratização da infância e produz formas de vida prontas para serem geridas pelos comandos políticos do Estado, de modo a potencializar as forças produtivas da população. Dessa forma, os problemas da realidade escolar deveriam ser entendidos como resistência política à ordem estatal e não apenas como patologias ou desvios morais dos educandos e dos professores.
Abolicionismo Escolar: um tema inimaginável
Baseado na pesquisa, Camargo propõe a reflexão sobre o que ele chama de “abolicionismo escolar”: o questionamento da existência da escola enquanto instituição insubstituível.“Nossa sociedade percebe o ensino escolarizado como algo absolutamente natural e indispensável, apesar do mesmo existir da forma que conhecemos hoje somente a partir do século XIX.
Deveríamos aprender a questionar não os problemas da escola, mas a própria existência dela como um grave problema político.”
Segundo o estudo, existe em nossas sociedades escolarizadas uma barreira discursiva que silencia qualquer contestação da estrutura escolar como hoje conhecemos.
Isso porque estamos presos a este conceito de educação como única maneira de conseguirmos viver em sociedade.
O historiador garante que nenhuma plataforma política, de qualquer orientação ideológica, consegue recusar, nem sequer discutir a instituição, e, menos ainda, cogitar a possibilidade do abolicionismo escolar como possível solução para muitos dos nossos impasses sociais.
“A pesquisa não pretende com esta reflexão propor uma nova plataforma educacional, mas constatar o triunfo do método escolar de institucionalização da vida nas sociedades ocidentais contemporâneas, assim como os limites políticos do nosso discurso”, diz.
“A questão central, portanto, não é o que colocar no lugar da escola, mas nossa própria incapacidade de sequer conseguir imaginar um modelo educacional que substitua esta instituição”, completa.
Camargo conta que, durante a pesquisa, fez uma experiência: digitou nos principais sites de busca da internet as palavras-chave ‘abolicionismo escolar’. “Não obtive nenhum resultado sequer. Isso dá uma ideia sobre a resistência da sociedade quanto ao tema.”
“A solução para os problemas da escola sempre segue no sentido de aperfeiçoamento e ampliação da instituição, e a sociedade não consegue visualizar, de fato, o grau de insuportabilidade de sua estrutura. Não existe nenhum tipo de crise.
As tentativas de reparos significam um triunfar-se perpétuo da instituição escolar. Talvez seja a hora de começarmos a duvidar da naturalidade da escola e de sua correspondente ordem social”, conclui Camargo.
Fonte: Agência USP de Notícias