Um batalhão de soldados estrategicamente posicionados e organizados para barrar qualquer invasor que possa provocar problemas. Assim é a flora vaginal.
Nesse caso, o exército é formado por micro-organismos que devem estar em perfeito equilíbrio entre si para conseguir manter a vagina, a vulva e os órgãos próximos delas – a bexiga, o útero e as trompas – a salvo da ação de inimigos que, diante de qualquer descuido, causam diversos males.
Alguns desencadeiam sintomas leves: coceira e ardência, por exemplo. Outros, no entanto, podem levar a cenários mais graves, como infertilidade e aborto.
A principal arma dessa tropa é a acidez.
“Ela cria um ambiente desfavorável para a entrada, a sobrevivência e a proliferação de micróbios que possam originar alguma doença”, explica a ginecologista Carolina Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo.
Essa característica protetora é garantida pelos chamados bacilos de Döderlein. “Eles vivem na parede da vagina e se alimentam da glicose armazenada nas células, transformando-a em ácido láctico, o que faz com que sejam considerados lactobacilos”, conta o ginecologista e obstetra Eduardo Zlotnik, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
“Além disso, a sua presença gera uma competição com os micro-organismos nocivos, fazendo com que haja menos comida para eles”, acrescenta Carolina.
No entanto, para que os lactobacilos consigam realizar essa missão com eficácia é necessário que a flora esteja em harmonia.
Os especialistas já sabem quais são os fatores internos e externos que podem afetá- la.
Mesmo assim, diversos estudos têm sido feitos para que possamos obter mais detalhes sobre o funcionamento dessa população e o que pode prejudicá-la.
O mais recente deles veio da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e foi publicado na revista científica Science Translational Medicine.
Lá, uma equipe de pesquisadores avaliou a flora de 32 voluntárias saudáveis em idade reprodutiva durante 16 semanas.
A análise revelou que existem cinco grandes grupos de comunidades bacterianas na vagina, que podem mudar bastante em períodos curtos por causa de elementos como ciclo menstrual e relações sexuais.
Entretanto, eles notaram que em algumas mulheres esses fatores praticamente não tiveram influência.
Segundo os autores, isso pode ser um indício de que há diferenças muito grandes entre as populações que habitam a vagina de cada uma e isso pode ser um sinal da necessidade de tratamentos personalizados contra os males que ameaçam a região.
Não restam dúvidas de que os resultados apresentados pela equipe americana apontam para o desenvolvimento de uma forma mais eficaz de evitar e tratar problemas femininos no futuro.
Mas muitos especialistas acreditam que ainda faltam evidências científicas para comprová-los.
Por isso, o ideal é focar nos cuidados que garantem a harmonia entre os habitantes naturais da flora vaginal e, com ela, a saúde de todo o aparelho genital feminino.
Ter uma vida saudável é o primeiro passo para preservar o equilíbrio da flora vaginal.
“Isso ajuda a manter a imunidade em dia, o que reflete diretamente sobre ela”, diz o ginecologista e obstetra Alfonso Massaguer, diretor da Clínica Mae, em São Paulo.
Alguns cuidados no dia a dia também são imprescindíveis.
Mas, mesmo com toda precaução, alguns fatores podem alterar esse ambiente.
“O ciclo menstrual, a gravidez, a atividade sexual, o uso de contraceptivos e de antibióticos são exemplos disso”, informa a ginecologista e obstetra Caroline Alexandra Pereira de Souza, da Clínica BMS, em São Paulo.
Nesses casos, o próprio organismo em geral se encarrega de restabelecer a harmonia na região.
O desarranjo ainda pode ser provocado por doenças, o que faz com que um auxílio médico seja necessário.
“Males que afetam muito a imunidade, como o lúpus e a insuficiência renal, devem estar nessa lista de alerta”, afirma Alfonso Massaguer.
“O diabete, que aumenta a quantidade de glicose na circulação, e o estresse, que provoca uma alteração hormonal, também têm essa ação”, acrescenta Carolina Carvalho.
E até mesmo tratamentos tópicos podem ameaçar esse equilíbrio. “O uso de cremes vaginais para tratar doenças precisa ser feito com cuidado, porque eles podem atacar a flora saudável”, avisa Eduardo Zlotnik.
Independentemente do que estiver por trás dessa desproporção entre os micróbios benéficos e nocivos na flora vaginal, quando ela ocorre abre-se espaço para o surgimento de problemas.
“Ardor, coceira, cheiro forte, vermelhidão e corrimento escuro ou esbranquiçado são sinais de que algo está errado”, explica Caroline Alexandra Pereira de Souza.
“Se esse tipo de quadro acontecer com muita frequência, a mulher pode lançar mão de comprimidos de vitamina C para deixar a região mais ácida ou tomar iogurte com lactobacilos, porque a flora vaginal está muito ligada à flora intestinal”, sugere Carolina Carvalho.
Marcar consultas frequentes com o ginecologista também é imprescindível.
Os malfeitores
* Candida sp (candidíase) Esse fungo causa coceira, ardor e corrimento esbranquiçado. Ele se prolifera diante de fatores como a umidade em excesso ou a baixa na imunidade.
* Chlamydia trachomatis (clamídia) Trata-se de uma bactéria perigosa que não mostra sintomas em cerca de 70% dos casos, mas pode ser transmitida sexualmente e causar infertilidade, aborto ou parto prematuro.
* Streptococcus B Ele vive na flora vaginal e gastrointestinal, muitas vezes sem provocar chabu. Só que é um risco para gestantes: se não for devidamente tratado, pode contaminar o bebê durante o parto, provocando até a sua morte. Por isso, um exame para detectá-lo é obrigatório no pré-natal.
À prova de invasores
Alguns cuidados são importantíssimos para diminuir o risco de haver um desequilíbrio na flora vaginal e impedir o surgimento de encrencas.
Prefira calcinhas de algodão
Diferentemente dos sintéticos, esse tecido evita que a vagina fique abafada, o que facilita a reprodução de micróbios que desencadeiam infecções.
Permanecer muito tempo com roupas de banho molhadas também não é indicado, porque a umidade provoca o mesmo efeito.
produção Andrea Silva
Fonte: Revista Saúde